Muita gente acha que o tal perfil do investidor se resume à resposta para uma única pergunta:
"Você topa perder dinheiro?"
Pronto. Respondeu "sim", o consultor ou o investidor já assume: perfil arrojado.
Se respondeu "não", põe "conservador".
Só que, na prática, não é (ou não deveria ser) tão simples assim.
Não existe perfil sem olhar pra capacidade financeira
O perfil de risco da carteira não é linear em relação à tolerância a risco do investidor.
Explico:
O investidor pode ter tolerância alta, ou seja, não ter medo de perder dinheiro.
Mas se a capacidade financeira dele for baixa, ele não deveria se posicionar de forma tão agressiva.
Por quê? Porque perder patrimônio quando você tem pouca reserva não é corajoso, mas sim imprudente e auto-sabotador.
Imagina o cara que diz:
"Não ligo de ver o patrimônio cair 20%."
Beleza, mas se ele só tem a reserva de emergência e mais um pouco para investir, se ele perder 20% possívelmente sua capacidade de recompor o patrimonio deve ser baixa. Afinal…
Se uma reserva de emergencia é de 6 meses de despesas, isso significa que perder 20% é perder mais de um mês inteiro de despesas.
E se o investidor só tiver isso ele precisa ser muito cauteloso, ou conservador, com seus investimentos, até que sua capacidade de tomar risco suba com seu patrimônio.
Em contrapartida…
Suponha que o cliente tem capacidade média, ou seja, patrimônio 1,5 a 4 vezes maior que a reserva de emergência.
Se ele diz:
"Eu aceito risco, estou confortável em ver oscilações."
Aqui o consultor já pode estruturar uma carteira um pouco mais agressiva, mas com responsabilidade:
Reserva de emergência mantida em algo super conservador.
Diversificação para reduzir risco específico.
Exposição controlada a renda variável ou ativos mais voláteis.
Ou seja, dá pra tomar risco, mas com a segurança de não destruir o colchão financeiro.
Mas e se a tolerância é baixa? Precisa respeitar
Tem também aquele investidor que não quer perder dinheiro de jeito nenhum, mesmo tendo muito capital.
O problema de você se guiar apenas pela capacidade financeira e colocar risco na carteira em qualquer uma das “caixinhas” de objetivos dele, pode acontecer que ele:
Vai resgatar no pior momento,
Vai perder a confiança no planejamento,
E vai culpar o consultor.
Então aqui o papel do consultor é gerenciar expectativa e alinhar, porque se o cliente não dorme tranquilo com a carteira, não tem estratégia que salve.
O framework que eu gosto
O perfil de risco da carteira, não será linearmente igual ao perfil do investidor, pois ela serve exatamente para resolver um dos maiores problemas ao investir: o desconforto com a perda e a incoerência entre objetivos e estratégias.
No meu framework simplificado, é possível notar que o consultor deve agir de forma a preservar o capital do investidor, limitando o risco da carteira de forma balanceada em relação ao contexto dele.
Já atendi clientes com patrimônio alto e pavor de perder R$100.
Já vi quem tinha pouca reserva mas queria apostar tudo em ações ou imóveis.
Já vi quem dizia "eu aguento risco", mas ficava micro-gerenciando as quedas de preços.
O que esses casos têm em comum? Falta de alinhamento entre capacidade financeira, tolerância a risco e o portfólio.
Armadilha bônus
Já vi investidor com capacidade altíssima, patrimônio muito acima do necessário pra reserva e para viver, dizendo:
"Não quero risco nenhum!"
Certo, direito dele. Mas aí cabe uma conversa honesta do consultor.
"Como você se sentiria se um amigo seu te contasse que fez um investimento de baixo risco e está ganhando mais do que você?”
"Qual sua disposição em ver seu poder de compra corroído ao longo dos anos pela inflação ou seu patrimônio desvalorizado em US$, ficando mais caro fazer atividades internacionais?"
Porque ter capacidade alta permite suportar um pouco mais de risco sem comprometer padrão de vida. Então, uma carteira moderada ou balanceada pode ser muito mais eficiente para o objetivos de longo prazo.
Por isso, não adianta seguir só a cartilha do suitability:
"Ah, tolerância alta = arrojado, tolerância baixa = conservador."
Tem que olhar para:
Tolerância (o psicológico, o comportamento).
Capacidade (o patrimônio, a receita e as despesas).
Necessidade (o prazo, o objetivo).
E não basta só rodar uma planilha de volatilidade. Tem que analisar o V@R esperado (valor em risco) - o pior cenário plausível e se a perda esperada é coerente com o perfil e com a vida do cliente.
Investir não é escolher a aposta mais quente, mas montar uma estratégia que você consegue sustentar, mesmo quando o mercado te testa.
E isso, meu amigo, não se descobre sem entender de verdade quem é o investidor e o que ele aguenta perder.
Se você quer aprender mais sobre isso, já se inscreve no meu canal do Youtube: